quinta-feira, 27 de setembro de 2007

"Passa uma borboleta por diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume nem cor
A cor é que tem a cor das asas da borboleta,
No movimento da borboleta o movimento é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume da flor.
A borboleta é apenas borboletaE a flor é apenas flor."

[Alberto Caeiro]

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Me diversifico sou duas até três
Ás vezes quatro, cinco ou seis
Prefiro nem falar, sou uma por mês.

Tem horas que grito bem alto ao mundo
Outras horas, apenas sei falar de amor
Sou romântica, trágica e melancólica

Num piscar de olhos, me torno menina
Séria e sem defesa, coberta de sutilezas
Então me torno dez é fatal, viro a tal

E sem que ninguém perceba sou dona do mundo
Segura e destemida, feita de sonhos e privilégios
Exponho um roteiro, contraceno... Torno-me várias

Não sou matemática, apenas me multiplico
Melhor nem me conhecer, sou bem mais complicada
Sou mil! E quem tentou descobrir não pode fugir
Ficou preso dentro de minhas fases de mulher diversificada.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

*Tocando em Frente*


Ando devagar
Porque já tive pressa
E levo esse sorriso
Porque já chorei demais

Hoje me sinto mais forte,
Mais feliz, quem sabe,
Eu só levo a certeza
De que muito pouco sei,
Ou nada sei

Conhecer as manhas
E as manhãs
O sabor das massas
E das maçãs

É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso chuva para florir

Sinto que seguir a vida
Seja simplesmente
Conhecer a marcha
E ir tocando em frente

Como um velho boiadeiro
Levando a boiada
Eu vou tocando os dias
Pela longa estrada, eu vou
Estrada eu sou

Cada um de nós compõe
A sua própria história
E cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
De ser feliz

Todo mundo ama um dia,
Todo mundo chora
Um dia a gente chega
E no outro vai embora

[Almir Sater e Renato Teixeira]

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

"Sonhe com as estrelas,
apenas sonhe,
elas só podem brilhar no céu.
Não tente deter o vento,
ele precisa correr por toda parte,
ele tem pressa de chegar, sabe-se lá aonde.
As lágrimas?
Não as seque, elas precisam correr na minha,
na sua, em todas as faces.
O sorriso!
Esse, você deve segurar, não o deixe ir embora,
agarre-o!
Persiga um sonho, mas, não o deixe viver sozinho.
Alimente a sua alma com amor,
cure as suas feridas com carinho.
Descubra-se todos os dias, deixe-se levar pelas vontades,
mas, não enlouqueça por elas.
Abasteça seu coração de fé, não a perca nunca.
Alargue seu coração de esperanças, mas,
não deixe que ele se afogue nelas.
Se achar que precisa voltar, volte!
Se perceber que precisa seguir, siga!
Se estiver tudo errado, comece novamente.
Se estiver tudo certo, continue.
Se sentir saudades, mate-as.
Se perder um amor, não se perca!
Se o achar novamente, segure-o!
Circunda-se de rosas, ama, bebe e cala.
O mais é nada".

[Fernando Pessoa]



música: Stand by me [Ben E. King]

terça-feira, 24 de julho de 2007

o fazedor de frases



Na enchente de 22, no Pantanal de
Corumbá, canoeiro Apariço, de
estante e prol, vagou sobre as águas
7 dias e 7 noites, sem comer - e
teve um delírio frásico. Esse aí.











Ontem choveu no futuro.

Sou passado obscuro dessas águas?

Maior que o infinito é o incolor.

Agora eu como água de merenda.

Pra saber dos passarinhos só preciso das minhas ignorâncias.

Sou muito floreado por palavras,

Quem seja floreado por palavras seja o vazio delas,

Eu sou o meu vazio cheio de palavras.

Do meu destino eu mesmo desidero.

Eu sei das iluminações do ovo!

Sou muito comum com pedras.

Falta só que uma árvore me fornde, E os rios tomem banho no meu corpo.

Meu olho tem argumentos.

Fui urinado pela sovelhas do Senhor?

Uma arara invadiu meus exâmetros.

Eu exerço uma grande irresponsabilidade sobre esses pássaros.

Os morros se andorinham longemente...

Eu sou o horizonte dessas garças...

Eu me horizonto.
[Manoel de Barros, poema e desenhos]

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Procura-se um Amigo


Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimento, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar.

Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja de todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer.

Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grande chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.

Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.

[Vinícius de Moraes]


Feliz Dia do Amigo para todos!
Obrigada por fazerem parte da minha vida de alguma forma!

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Quase

Ainda pior que a convicção do não,
É a incerteza do talvez,
É a desilusão de um quase!

É o quase que me incomoda,
Que me entristece,
Que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.

Quem quase ganhou ainda joga,
Quem quase passou ainda estuda,
Quem quase amou não amou.

Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos,
Nas chances que se perdem por medo,
Nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.

Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna.
A resposta eu sei de cor.

Está estampada na distância e na frieza dos sorrisos,
Na frouxidão dos abraços,
Na indiferença dos "bom dia", quase que sussurrados.

Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz.

A paixão queima,
O amor enlouquece,
O desejo trai.

Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor.
Mas não são.

Se a virtude estivesse mesmo no meio-termo,
O mar não teria ondas,
Os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.

O nada não ilumina,
Não inspira,
Não aflige nem acalma,
Apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.

Preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.

Para os erros há perdão,
Para os fracassos, chance,
Para os amores impossíveis, tempo.

De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma.
Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.

Não deixe que a saudade sufoque,
que a rotina acomode,
que o medo impeça de tentar.

Desconfie do destino e acredite em você.
Gaste mais horas realizando que sonhando...
Fazendo que planejando...
Vivendo que esperando...

Porque, embora quem quase morre esteja vivo,
Quem quase vive já morreu.

[Luís Fernando Veríssimo]